Miguel Oliveira foi o primeiro piloto português a vencer um Grande Prémio de MotoGP. E está de parabéns, foi uma corrida perfeita que acabou numa dupla ultrapassagem épica.
No final não se esqueceu de agradecer a todos os portugueses já que estes estavam agarrados à televisão, ou melhor ao telemóvel (porque era domingo em Agosto e as pessoas estavam na praia) a torcer por ele. Mas o agradecimento também se estende a todos aqueles que contribuíram para que ele aprendesse e construísse esta carreira. Muitos deles cidadãos anónimos.
Miguel Oliveira nasceu e viveu toda a sua vida em Portugal e está habituado a andar de mota no nosso país. Ultrapassar dois veículos pela direita numa curva pode ser genial no Moto GP mas não é mais do que um dia normal no km 96 da A1 no sentido Sul – Norte.
As nossas estradas dão estaleca, são um viveiro de pilotos de classe mundial.
Se Portugal não chegou mais longe nestes desportos é apenas por falta de dinheiro, já que muitas vezes é preciso pagar para obter lugar numa equipa de Fórmula 1 ou Moto GP. Se fosse apenas pelo talento, os nossos pilotos já nos tinham dado enormes alegrias.
Portugal tem já há muitos anos um programa de formação de condutores baseado no conceito de Darwinismo rodoviário. É feita uma seleção natural em que só os mais fortes sobrevivem.
Lewis Hamilton, piloto inglês que tem vindo a dominar o Mundial de Fórmula 1, só chegou onde chegou porque vem de um país rico. As únicas semelhanças entre Reino Unido e Portugal em termos rodoviários está no facto dos condutores andarem encostados à esquerda nas Auto-Estradas e só usarem a via da direita para ultrapassar. Tudo o resto é muito mais fácil e Lewis Hamilton não teve muitas oportunidades de simular situações de corrida.
Tiago Monteiro só conseguiu um lugar na Jordan e até conseguiu chegar ao pódio naquele Grande Prémio dos Estados Unidos de 2005 em que só participaram 6 carros. Imaginem se Tiago Monteiro tivesse dinheiro…
Quando fui a Portugal este verão notei que cada vez estou menos habituado ao estilo de condução português. Andar pelas estradas e ruas do país parece entrar num videojogo de plataformas em que só nos resta uma vida. Estamos com um bigode e um chapéu de canalizador a desviar-nos de bichos que uma nuvenzinha nos atira.
Eu sei que o problema não é Portugal, sou eu. Ninguém me mandou estar ausente 6 meses fechado em casa, mas o que é certo é que pedi anos e anos de conhecimento. Hoje em dia nem sequer seria capaz de ficar em penúltimo lugar numa corrida de karts de uma empresa de charcutaria.
Curiosamente Miguel Oliveira até há bem pouco tempo nem sequer tinha carta de condução (não sei se entretanto a tirou) mas isso só terá ajudado.
Em primeiro lugar, conduzir sem carta é uma tradição muito antiga em Portugal.
Se há pessoas que defendem que as touradas não devem ser proibidas por serem uma tradição secular então a condução sem carta também deve preservada e candidata a Património Imaterial da Humanidade (até porque não existindo a carta não existe um objeto material).
Por outro lado, se o talento de Miguel Oliveira tivesse sido poluído pelas indicações do instrutor do IMTT nunca seria capaz de ter momentos de génio. Naquela ultrapassagem só o tempo para meter o pisca, olhar para o retrovisor e certificar-se que não vinha ninguém em sentido contrário seria fatal para as suas aspirações.
Por todo este conjunto de talento inato e experiência adquirida ao longo da vida só podemos estar convencidos que Miguel Oliveira fará História novamente.